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Presidente voltou porque não manteria seu poder em Havana

By Eric Farnsworth

“O experimento de Chávez está envelhecendo já que o caminho populista está se tornando insustentável”, escreve Eric Farnsworth para O Estadão.

O retorno de surpresa a Caracas de Hugo Chávez, presidente eleito, mas não empossado, reacendeu as questões sobre sua recuperação do câncer e sua capacidade de governar. Tendo ido a Cuba em 10 de dezembro, onde foi submetido a uma quarta rodada de tratamento de uma forma de câncer não divulgada, ele permaneceu recluso por mais de dois meses, sem comunicação com o povo que acabara de reelegê-lo em outubro e faltando à própria posse constitucionalmente estipulada em 10 de janeiro. Relatos da mídia indicam que ele foi incapaz até de receber a visita de líderes que viajaram a Cuba especialmente para vê-lo, entre eles o ex-presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva e atual presidente da Argentina, Cristina Kirchner.

O retorno de Chávez na calada da noite, anunciado via Twitter e não com um comício público que em outras circunstâncias seria esperado, indica que ele está vivo, mas também suscita perguntas importantes sobre seu estado de saúde e sobre sua capacidade de governar no curto prazo.

Isso é importante. Segundo a Constituição da Venezuela, novas eleições devem ser convocada a essa altura de um mandato presidencial se o presidente for declarado incapaz de cumprir seus deveres do cargo. Essas provisões fazem parte da nova Constituição que o próprio Chávez propôs e aprovou. Ao mesmo tempo, a oposição argumenta que o mandato presidencial anterior expirou em 10 de janeiro e, como ele não foi reempossado, isso mergulhou o país numa crise constitucional. Segundo essa visão, o presidente em exercício, Nicolás Maduro, não tem nenhuma autoridade para governar, porque ele foi nomeado para o cargo de vice-presidente por Chávez - que ainda não tomou posse - e não foi eleito.

Essa talvez seja uma questão em grande parte acadêmica para os próprios venezuelanos resolverem, dada a falta de apoio ativo para essa visão de fora da Venezuela. Ao mesmo tempo, a volta de Chávez recoloca a questão na berlinda, porque ninguém, exceto um pequeno grupo de venezuelanos ferozmente leais e autoridades do governo cubano, conhece o verdadeiro estado da saúde de Chávez. Sua saúde foi tratada como segredo de Estado, mais ao jeito das manobras do Kremlin na Guerra Fria do que das expectativas de sociedades democráticas modernas. Portanto, não pode haver um julgamento informado, a essa altura, sobre sua capacidade de governar ou, sobre a possibilidade de ele estar a caminho de uma plena - ainda que lenta - recuperação.

Nesse meio tempo, as autoridades estão atarefadas emitindo decretos e tomando decisões em nome do presidente, incluindo uma grande desvalorização da moeda que será sentida em todos os setores da sociedade. A economia enfrenta problemas. A falta de produtos básicos de consumo está aumentando, assim como a inflação. A criminalidade também está em alta. Se as circunstâncias se deteriorarem mais e a capacidade de Chávez para conduzir o país não for esclarecida em breve, a legitimidade política do governo poderá ser colocada em questão. Nesse ponto, ocorreria uma crise de governança com consequências imprevisíveis.

É essa, mais do que qualquer outra, a principal razão pela qual Chávez voltou à Venezuela, pois estava ficando cada vez mais insustentável ele reclamar o manto de presidente estando fora do país indefinidamente. No entanto, isso também está fazendo o povo venezuelano e outras partes interessadas considerarem um futuro sem Chávez.

O sucessor escolhido a dedo, Maduro, não tem o carisma nem o apoio político de que Chávez desfruta - apesar de ele ganhar o benefício da dúvida dos chavistas no curto prazo. Para construir sua própria legitimidade, ele terá de mostrar que não só é leal à agenda de Chávez, mas também é capaz de conduzir e até de aumentar o ímpeto da revolução bolivariana.

No fim, isso poderá ser bom para os seguidores de Chávez, mas ruim para a Venezuela, já que o país continua a palmilhar um caminho populista insustentável. O experimento de Chávez está mostrando seu envelhecimento, mas os pilares que sustentam o movimento ainda estão bem assentados e não serão facilmente removidos. Os próximos dias e semanas prometem um período complicado e incerto para a Venezuela. / Tradução de Celso Paciornik.

*Eric Farnsworth é vice-presidente e chefe do escritório de Washington D.C. da Americas Society/Council of the Americas.

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