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Entrevista: Senador Cristovam Buarque fala da educação e a inovação no Brasil

AS/COA Online falou com o Senador Buarque sobre a sua perspectiva para mudar o sistema educacional e integrar a inovação na educação brasileira.

“Esse é o grande desafio, emancipar as pessoas da necessidade de bolsa. Só tem um jeito de fazer isso, é como eu falei, nós termos uma escola de qualidade para todos.”

Os programas de transferência condicionada de renda, como o Bolsa Familia, representam uma das estratégias do governo brasileiro para reduzir a probreza, além de aumentar a matrícula nas escolas. Entretanto, dentro do sistema educacional brasileiro, existem vários desafios, tais como a ausência de professores e o analfabetismo funcional. Rachel Glickhouse de AS/COA Online falou com o Senador Cristovam Buarque, conhecido como o “Senador do Educação” no Congresso, sobre a sua perspectiva para mudar o sistema educacional e integrar a inovação na educação brasileira. Buarque já trabalhou como ministro da educação durante a administração do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e como governador do Distrito Federal. Um dos programas mais renomados do Senador Buarque é o Bolsa Escola, um programa de transferência condicionada de renda para a educação infantil.



AS/COA Online: Quando governador do Distrito Federal o senhor ajudou a criar e implementar o programa Bolsa Escola. Quais são os resultados obtidos neste programa?

Cristovam Buarque: Primeiro, sem querer ser pretencioso, eu formulei o programa e fui o primeiro a implementar praticamente ao mesmo tempo em que o prefeito de Campinas  o implementou no nível local. Depois disso, o presidente Fernando Henrique Cardoso expandiu para o Brasil e o presidente Lula ampliou ainda mais. Eu creio que a consequência é que hoje as crianças estão na escola. Quando esse programa começou no Brasil devíamos ter 20 por cento das crianças fora da escola. Hoje elas estão todas na escola, praticamente; 3 por cento que não estão, 97 por cento estão matriculadas. Além disso, provocou o que se imaginava, que se instalou o crescimento pela base, porque isso gerou uma demanda. A redução da pobreza, nas suas formas mais graves, por exemplo, não há fome praticamente, agora mesmo estamos vivendo uma grande crise de seca no nordeste, não teve problema de fome no Nordeste. A produção desapareceu, mas as pessoas tinham dinheiro e a comida chegava. Então esses são os seus efeitos. O desafio agora é a qualidade, a qualidade da escola é que se precisa mudar.  

AS/COA Online: Quais são alguns dos desafios em educação dentro do programa Bolsa Família?

Buarque: O programa Bolsa Família é para colocar crianças na escola. O desafio da escola é fora do Bolsa Família, tanto que hoje o Bolsa Família é administrado pelo Ministério da Assistência Social e a educação pelo Ministério da Educação. Qual é o grande desafio? O grande desafio é fazer com que os professores sejam bem qualificados, bem dedicados, bem avaliados e para isso, bem remunerados, essa é a primeira coisa. O segundo é esse professor com tanta qualidade não ser desperdiçado, para isso ele tem que estar em escolas de qualidade na edificação, nos equipamentos, em lugares modernos. Escolas com quadro negro não deveriam existir mais. Temos que substituir tudo isso, colocar o máximo de informática, telecomunicações, e finalmente o horário integral. O desafio é fazer isso, que hoje praticamente não existe. Nós temos escolas de qualidade, professores de qualidade, mas não temos isso por quê? A minha proposta para fazer isso, é criar uma carreira nacional do magistério e o governo federal implantar escolas federais em todo o Brasil ao longo de 20 anos.

AS/COA Online: O Bolsa Família e o Bolsa Escola ajudaram a diminuir a desigualdade no Brasil, mas agora por que a educação é importante para a economia brasileira?

Buarque: Primeiro que diminuiu muito pouco. A diminuição da desigualdade é só nas esferas mais pobres de todas, que passaram a comer, comprar uma roupa, comprar um sapato, isso é pouco. Segundo, é insustentável porque depende do financiamento público, então é insustentável; não vai poder aumentar. Depois não é lógico que a gente tenha um programa em que a família precisa de uma transferência de renda e os filhos quando crescerem e tiverem as suas famílias também continuem precisando dessa bolsa, não pode. Nós temos que abolir a população pobre da necessidade de bolsa. Esse é o grande desafio, emancipar as pessoas da necessidade de bolsa. Como fazer isso? Só tem um jeito de fazer isso, é como eu falei, nós termos uma escola de qualidade para todos. Aí sim a gente vai ter uma distribuição estrutural da renda, e não apenas uma distribuição financeira da renda. Hoje a renda é feita financeiramente, estruturalmente é quando a população tiver essa renda independente de ter ou não ter transferência de renda.

AS/COA Online: Durante a conferência o senhor falou que o Brasil não está necessariamente investindo pouco na educação, mas não está investindo corretamente. Qual seria a maneira correta de investir?

Buarque: Primeiro ainda se investe pouco, mas isso não é o maior problema. O Brasil hoje deve ter investido 5 por cento. Deveríamos chegar a 7 por cento e estão aprovando 10 por cento do PIB. Eu temo que se aprovamos 10 por cento, jogamos dinheiro fora, eu temo isso. Agora, qual é a maneira? É não desperdiçar no atual sistema muito dinheiro, o atual sistema não é capaz de absorver dinheiro. Eu às vezes radicalizo dizendo o seguinte: é como se chover dinheiro no quintal da escola, na chuva vira lama. Você tem que fazer com que esse dinheiro chegue na carreira do professor, na seleção do professor, na avaliação do professor e no equipamento à disposição do professor. Eu acho que isso não vai ser possível jogando dinheiro para os prefeitos, tem que ser um problema nacional, federal.

AS/COA Online: Outra coisa que o senhor falou foi sobre a educação e a inovação. Quais são os países que são referências ou modelos para a reforma em educação quando tem a ver com a inovação?

Buarque: Nós temos os países tradicionais nisso, como os Estados Unidos. Apesar de que a educação nos Estados Unidos não está tão boa quanto antes, mas é um país de grande capacidade de inovação. Talvez o maior de todos levando em conta o tamanho. Mas os países que valem a pena observar são os novos, que há 50 anos eram países subdesenvolvidos em todos os sentidos, como a Coreia, como o Taipé, como a Finlândia. A gente sempre imaginou que a Finlândia era rica, a Finlândia no começo dos anos 50 recebia comida das Nações Unidas, porque além de pobre tinha perdido uma guerra, tinha perdido um terço do território para a União Soviética. Além disso, tem outro grupo por perto como a Irlanda, a China em algumas cidades, não dá para dizer a China inteira, Cingapura. São países que deram um salto na educação e daí deram o salto na ciência e tecnologia e na convivência com o setor empresarial deram o salto na inovação.

AS/COA Online: Qual seria a sua visão no que diz respeito em integrar a inovação no sistema educacional?

Buarque: É como integrar a escola inovadora no setor privado. No Brasil as universidades têm pavor dos empresários e os empresários desprezam as universidades, não casam. O governo tem que começar a dar um incentivo, forçando os empresários a investirem mais em inovação. Vou dar um exemplo, agora mesmo o governo criou uma isenção de impostos para automóveis, seria muito melhor ter dito, nós vamos dar esse dinheiro para vocês fazerem um carro elétrico, ou para vocês trabalharem em um sistema alternativo de transporte público. O governo agora reduziu a tarifa de energia elétrica, a gente paga 20 por cento menos, muito bom para nós. Não era melhor ter pego esse dinheiro, 8 bilhões de reais, e colocado para desenvolver tecnologias alternativas de geração de energia? Claro que seria, mas não fazemos isso. Deviam pegar as empresas que vão ser obrigadas a abaixar a tarifa e vão receber dinheiro, devia dizer nós vamos dar a você para você sair do setor hidroelétrico e entrar no setor eólico, no setor solar, por exemplo. O Brasil tem tudo para ser um porto para a energia solar. Vamos daqui a pouco estar comprando tecnologia alemã, um país que não tem tanto sol. Então é isso, o governo deve pressionar para que o setor privado receba incentivos quando inovar e não quando produzir. Hoje é vinculado com a produção e tem que ser vinculado com a inovação. E as universidades devem receber maiores influências do setor privado para que nas áreas tecnológicas trabalhem também para o mercado. Não fazer isso é isolar-se.

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