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Lula tem mais chances com Bush que FHC

By Dr. Susan Kaufman Purcell

Quando receber hoje, no Salão Oval da Casa Branca, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, vai procurar ter com ele a relação pessoal que não teve com Fernando Henrique Cardoso. Há razões pessoais e políticas para se apostar nisso. A opinião é de Susan Kaufman-Purcell, vice-presidente da Americas Society, instituição co-irmã do Council on Foreign Relations e dedicada ao estudo de questões políticas, culturais e econômicas do Hemisfério Ocidental.

Nesta entrevista ao Valor, Susan Kaufman-Purcell disse que Lula personifica o "sonho americano" na medida em que, egresso das camadas mais pobres, chegou à Presidência. Segundo ela, antes do 11 de setembro, o México era a prioridade absoluta da política externa americana na América Latina. Os problemas de fronteira, agravados pelo maior rigor no controle da imigração mexicana, deterioraram as relações entre os dois países, abrindo espaço para que o Brasil ocupe posição de destaque.

Valor: O que a sra. espera das relações Brasil-EUA com Lula?

Susan Kaufman-Purcell: Em primeiro lugar, acho que o relacionamento entre o presidente Bush e o presidente eleito Lula, em termos de química pessoal, pode ser muito bom. Com Bush e o presidente Fernando Henrique Cardoso não foi assim. Cardoso achava que Bush não era um intelectual como ele e acho que Bush, provavelmente, sentiu que Cardoso o olhava de cima para baixo. Não houve uma boa química.

Valor: Como a sra. acha que Bush vê Lula?

Susan: Bush vê Lula como um verdadeiro democrata e que, de uma certa forma, personifica o sonho americano. Ele veio de baixo e chegou ao topo e, claro, esse é o sonho de cada um, desde a infância, nos EUA. Saindo de qualquer lugar, você tem a chance de ser presidente aqui.

Valor: O que, em Lula, pode facilitar o diálogo com Bush?

Susan: Lula é uma pessoa direta e o presidente Bush também é assim. Isto não significa que eles vão concordar em tudo. Seria pouco razoável e ingênuo esperar isso. Países diferentes possuem interesses diferentes. O relacionamento bilateral deve a partir de agora.

Valor: Mas, não há desconfianças do lado americano?

Susan: Havia temores no início por causa dos comentários que Lula fez no início da campanha sobre a Alca, mas desde então ele tem falado de forma muito diferente. Ele está falando em negociações sérias sobre como a Alca poderia ser, em tese, algo de grande interesse para o Brasil. As reações iniciais (do governo americano) à possível nomeação de Palocci (Antonio) foram muito boas. Ele parece ser uma pessoa moderada, inteligente, que está procurando um relacionamento construtivo (com os EUA). Até agora, os americanos gostaram muito do que viram.

Valor: Há em Washington quem compare Lula a Hugo Chávez.

Susan: Os EUA sabem que o Brasil é importante e eu acho que o governo Bush, apesar de muitos comentários que saíram na imprensa, não compara Lula com Chávez. Comparou-se Lula a Castro (Fidel, presidente de Cuba) e a Gutierrez (Lucio, presidente eleito do Equador). Lula não pertence de jeito nenhum a essa categoria. Ele é um democrata que gastou 20 anos montando seu partido. Acho que o governo Bush sabe disso. Há uma boa chance para um relacionamento bastante decente, visto que nenhuma das duas partes deseja uma confrontação.

Valor: O fato de os dois terem origens tão distintas não atrapalha?

Susan: Bush não é de origem humilde. Pelo contrário, ele vem de uma família rica e muito influente. Estudou nas universidades de Yale e Harvard. Por outro lado, ele não é igual ao pai dele (George Bush, presidente dos EUA entre 1989 e 1993). Bush interage muito facilmente com pessoas comuns. Ele se sente confortável com pessoas simples e não gosta de pessoas esnobes. Nesse sentido, acho que ele e o presidente Lula são parecidos.

Valor: Em termos de prioridade, o Brasil não estaria fora do radar de Washington desde a posse de Bush, em janeiro de 2001?

Susan: De fato, se alguém julgar os primeiros nove meses do governo Bush, pode afirmar que isso foi verdadeiro. A prioridade máxima (na América Latina) foi o México. Desde 11 de setembro, no entanto, as relações entre EUA e México não ficaram ruins, mas certamente não são tão boas quanto naquele período. O problema é que a imigração teve que diminuir devido à segurança. Isso, claro, pode significar uma abertura ao Brasil.

Valor: Por que a Casa Branca desejaria a aproximação?

Susan: Dada a volatilidade política e econômica em muitos países latino-americanos, há um incentivo para o governo Bush tentar melhorar a relação com o Brasil.

Valor: O que faz de Lula, um esquerdista, uma alternativa para Washington?

Susan: Acho que muitas pessoas no governo americano estão cansadas de ver as mesmas pessoas nos governos da América Latina. Elas estão muito conscientes do fracasso dos partidos na região. Muitos partidos latino-americanos têm fracassado em representar novos interesses e novas idéias de maneira razoável. Na verdade, o sistema político brasileiro tem partidos fortes, talvez não tão fortes como muitos, inclusive os brasileiros, gostariam, mas o fato é que há novas lideranças, que vêm das classes mais baixas. Essas classes não apenas são representadasno Congresso, como terão um presidente. Isso é uma prova de maturidade política. O Brasil é um modelo político interessante na medida do que precisa ser feito para acabar com essa reputação 'infindável´ de que o poder está sempre nas mãos das velhas elites.